quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Construção em Taipa - Aldeia de Safira / Montemor o Novo

Numa viagem cibernética na demanda de mais interessantes ruínas  encontrei  uma aldeia abandonada que agoniza no Alentejo. As descrições que li sobre este local não lhe fizeram suficiente justiça ou a minha imaginação não terá sido suficientemente estimulada...é mais um local paradisíaco que além de distantes recordações guarda ainda entre as suas pedras muitas memórias latentes.
 

 Quando falei neste local ao meu novo amigalhaço que me levou num agradável e ruinoso passeio por terras alentejanas, para grande sorte minha, não só ficava no nosso itinerário como também já conhecia este local. A aldeia de Safira fica situada perto de Montemor o Novo, numa via de acesso a escassos kilómetros da EN4. Por ser demasiado isolada das vizinhas populações foi perdendo importância social e económica, que acabou por condenar esta povoação a uma morte lenta. Irónicamente, as distâncias hoje em dia são fáceis de cumprir, embora de nada valha a esta velha aldeia que ninguém se lembrou de ressuscitar. 
 A aldeia de Safira foi erigida no cume de um pequeno monte, circundado por uma lagoa e campos de montado. Avista-se o cemitério na outra margem, que embora não esteja bem cuidado é ainda utilizado e não está em ruínas. A  estrutura da aldeia é bastante pequena, resumindo-se a um pequeno aglomerado de casario e a uma igreja, cujas dimensões que testemunham que esta terra era frequentada por uma numerosa população.
 

É mais uma paisagem idílica que parou no tempo. Aqui reinava a paz e a alegria de uma manhã de primavera... todos os elementos constantes nesta paisagem eram de uma harmonia incomensurável, não só pela quietude do espaço circundante, mas também pela comunhão que esta aldeia tem com a natureza, justificam a toponímia de “Safira” como uma valiosa e rara jóia. 

Todo este património natural, histórico e arquitectónico fizeram-me viver uma forte emoção e inspiraram um dia de trabalho ruinoso. O ar puro que se respira convida a sentir o cheiro do campo e apura todos os sentidos, sem um único indício de poluição sonora, visual, actos de vandalismo ou qualquer outro agente intoxicante, facilmente nos deixamos envolver nesta atmosfera cheia de fantasmas e boas memórias. 

 As habitações são humildes e construídas em taipa, como é característico nesta região. Este tipo de construções utilizam como matéria prima para a sua edificação a própria terra que é retirada quando se escavam os alicerces.  
 Com esta terra é feita uma argamassa que junta com a pedra, mantém firme  as robustas paredes. Por serem utilizados materiais que não oferecem grande resistência aos agentes erosivos, a manutenção torna-se difícil e constante tornando-as vulneráveis a um período de tempo bastante mais curto em relação a outro tipo de construções. 

Há apenas quatro casas em Safira, por serem de arquitectura chã não permitem um grande aglomerado populacional, o que leva a concluir que toda a importância deste local se centrava na igreja, pólo de atracção social de todas as localidades vizinhas e certamente deu um enorme protagonismo económico e político a Safira, tendo esta chegado a ser freguesia do concelho de Montemor o Novo e teve até um titular, Augusto Dâmaso Miguens da Silva Ramalho da Costa, um latifundiário de Montemor-o-Novo, cidade onde exerceu também o cargo de Presidente da Câmara. O título de Visconde foi criado  por decreto do Rei D. Luís em 30 de Abril de 1886 e mais tarde foi elevado a Conde. Faleceu em Montemor a 3 de Fevereiro de 1945, sem descendência. 
 “No ano 1768 o Padre Thomás de Vasconcelos Camello, respondendo "aos interrogatórios" ordenados pelo  Arcebispo de Évora Dom Frei Miguel de Távora, escrevia: "tem esta freguesia 57 propriedades, e nelas se incluem 120 fogos onde residem 578 pessoas. No alto de uma charneca estão edificadas a igreja e as casas do padre e do sacristão ". 
 
 Segundo esta descrição, este pequeno aglomerado era o centro de uma dispersa povoação que para aqui convergia  pela existência de uma “casa de Deus” . A igreja foi construída no século XV, durante o bispado do Infante Cardeal D. Afonso, filho de D. Manuel I e foi severamente castigada no terramoto de 1755. Dela restam hoje apenas as paredes, o telhado há muito que derrocou  deixando exposto o seu interior. 
 

 A fachada  mantém-se firme desde o último restauro em 1903, conforme a data de uma lápide que teimosamente resiste às intempéries.  
 O retábulo era ornamentado com frescos em trompe l’oeil dos quais restam ainda ilegíveis vestígios, tem três nichos e uma escada que dá acesso ao nicho maior . Onde era a sacristia jaz hoje no chão um telhado apodrecido, entre quatro paredes pintadas num vermelho vivo que bem condiz com o vinho tinto da região.  

As casas que compõem este conjunto são bem diferentes entre si. A primeira estrutura da aldeia tem uma comprida fachada e uma arquitectura mais ou menos elaborada entre as casas que une.  São três casas geminadas que certamente terão sido a taberna e loja, além de habitação.    

A casa menor quase se sobrepõe a esta, plantada a caminho da igreja bem no meio da encosta evidenciando-se pelo isolamento e pela arquitectura mais rude e robusta... embora a sua robustez já não seja a mesma, as suas paredes mantém-se de pé.
 

A maior casa seria certamente a do padre e é a que se encontra em pior estado de conservação não havendo sequer vestígios da sua traça. Tem como vizinha duas oliveiras e tem ainda nas traseiras um nostálgico forno. 

Safira estará para sempre preservada enquanto o seu espírito se mantiver vivo,  salvando-se pela solidão que a mantém asua índole incólume e intocada pelo progresso.

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